Uma banheira tão grande para um ralo tão pequeno - este é muitas das vezes o problema para classificação dos traços de personalidade. Somos moldados por experiências ou pela própria genética que herdamos, não ficando ao acaso a expressão “tens os olhos do pai e o feitio da mãe”. A timidez, na minha definição, pode ser vista como o tempo de espera que existe entre a reflexão e o agir (gerar um comportamento), face a um estímulo externo que nos gera ansiedade. Poderia este termo caminhar de mãos dadas com o medo, mas não o podemos considerar semelhante. Muitas crianças que aos olhos dos outros são tímidas passam a maior parte do tempo como observadores da acção. Será isso mau? Vamos mergulhar um pouco nessa questão.

Timidez pode ser uma ajuda ou um obstáculo para a criança, são vários os exemplos que podemos observar com alguma naturalidade no comportamento da criança. Quando chegamos a um espaço novo, muitas das crianças procuram as pernas dos pais como porto seguro, outras quando lhes é feita uma pergunta o silêncio vira a resposta. Estes são exemplos que podemos encontrar em grande parte das crianças e que são naturais. Quem melhor que os pais para aprovar a nova experiência? Aqui os pais têm o objectivo de dar luz verde à acção da criança “podes ir filho ou podes falar pois o senhor é amigo”, são mensagens importantes a dar.

Um aspecto crítico que não podemos cair no erro de cometer é forçar o julgamento ou introduzir obrigações. O forçar a criança a ser menos tímida leva a que ela própria sinta que os pais queriam que ela fosse diferente. Se a ansiedade era uma dificuldade, neste momento acabamos por lançar mais lenha na fogueira. Ouvir os problemas dos pequenos pode ser a base de uma grande solução. Escutar e valorizar o que a criança está a viver é contribuir para o aumento da sua confiança em enfrentar aquele momento.

Como trabalho eu a confiança das crianças? Uma vez que não vou a festas com elas, nem as levo a espaços novos, se tivesse que dar nomes aos ingredientes estes seriam o “errar” e o “sucesso”, ou seja, fazer coisas más e coisas boas. Sou terapeuta e trabalho em salas, crio nelas experiências vividas que visam atingir um foco final. A linha orientadora que sigo faz o meu trabalho ter um efeito terapêutico, ou seja procuro actuar sobre uma dificuldade e anulá-la.

Numa primeira fase, os pais ficam dentro da sala enquanto manipulo o espaço para jogos e momentos de diversão. Aos poucos, a criança vai sentido aquele espaço seguro e quando já tenho a sua confiança, posso então mudar as tarefas e expor as suas dificuldades nas mesmas. O confronto do problema é vivido no momento do jogo e nunca contra mim, pois terei que ser sempre alguém em quem elas confiam. Tornar o jogo difícil, impossível, fácil, lento, rápido são variáveis que funcionam como pinceladas na tela da segurança.

Um dos exemplos é o menino M. Este menino tinha um tónus muscular baixo que se refletia também ao nível oro-facial. O seu medo de agir em grupo e de fazer parte das atividades da turma, faziam dele um menino mais isolado. Tinha dificuldades acentuadas em falar e em termos motores acabava por ser mais desajeitado e sentindo medo de agir, ficar de parte era a sua escolha.

O nosso espaço terapêutico virou muitas vezes uma sala onde a gravidade era maior que a do planeta terra. Virou campo de lutas e campo de treino. Brincávamos em voz alta, fazíamos força um contra o outro, tínhamos que pedir sempre objetos ou contar histórias. Os seus medos eram treinados lado a lado comigo e num contexto seguro. Quando vi que ele tinha segurança e sucesso, a sessão foi vivida com mais um amigo, e depois mais outro, e mais outro e só assim a passagem aconteceu com sucesso.


Nunca podemos largar um peixe num lago de tubarões sem ter certezas que ele leva as armas certas consigo. Se o peixe não pode virar tubarão, então temos que ver onde os tubarões são fortes e fazer o nosso peixe pensar como um tubarão. 

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