Hoje sinto que sou um poço sem conhecimento, afogo-me em teorias e conhecimentos científicos para conseguir interpretar o problema de cada criança. Reúno pilhas de artigos e no fim tenho sempre uma conclusão simples “-Há! Somei mais um prego de sabedoria”. É importante formalizar exactamente o que aprendo e vou montando aos poucos um castelo de tijolos feito de coisas que leio, no entanto muito fica longe do que vivo no dia a dia.

Cada criança é um caso único, e é um mundo repleto de tentativas e erros. Hoje senti-me pela primeira vez sem armas, deparei-me com um caso de uma criança que achei que não tinha como corresponder. Sentei-me ao seu lado e não obtive qualquer sinal, a minha pessoa parecia nem existir. Por norma é fácil para mim crescer até ao mundo mágico de cada criança e conquistar a sua confiança, mas desta vez não consegui.
A criança sabia ler, escrever e até mesmo contar, tinha no seu diagnóstico clínico “Perturbação do Espectro do Autismo”. São inúmeros os casos de crianças com quem trabalhei e em nenhum me senti sem defesas. A minha confusão inicial foi “Se sabe ele ler e escrever porque não quer brincar (trabalhar) alguns exercícios comigo?”.

O meu tempo com a criança ia passando, e ao vê-lo focado no computador procurei entender o que estava ele a jogar. Assisti um pouco e em silêncio apercebi-me da solução ao problema do jogo que ele estava a jogar, de um modo meigo avisei que o ia ajudar a completar o nível do jogo e fí-lo. Ao ajuda-lo o jogo avançou para um novo nível e consegui o seu primeiro contacto ocular. Enquanto o jogo avançava, eu ia procurando identificar elementos e objectos que componham o cenário do jogo. No final, comecei a desenhar num papel personagens do jogo e aos quais lhe pedia inicialmente para identificar verbalmente, depois por escrito e no final já desenhávamos juntos.


Na verdade passei 45 minutos com a criança, no final apenas tinha uma folha de papel com rabiscos, mas esses traços foram a minha carta de entrada para uma relação com este menino. Não trabalhei, nem fiz exercícios específicos que levava planeados, mas ganhei a sua confiança que é um elemento fundamental para que o contexto terapêutico faça sentido. Se me perguntarem o que faço julgo que a resposta melhor será - “Sou um intermediário lowcost do IKEA, ofereço parafusos às crianças e espero que elas consigam sem madeiras montar móveis sozinhas”. 

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