Nascer com uma condição especial de saúde requer adaptações extra em relação às outras pessoas ditas normais. Algumas são mais simples que outras, mas se para uns começar a andar é apenas uma conquista natural, para outros é necessário que seja um exercício exigido e imposto ao treino. Se para uns desenhar é apenas um acto recreativo, para outros segurar no lápis é uma batalha, onde o desenho coordenado é a guerra a vencer.
O movimento humano surge com tanta naturalidade e sem esforço, que esconde um mundo de extrema complexidade. Desde que é criado no topo do nosso cérebro, ele vai buscar tanta informação para ajustá-lo, que basta falharem alguns ajustes e - puff! - lá surgem alterações na coordenação do movimento. Enquanto terapeuta procuro encontrar pontos de estratégia para seguir os passos dos mecanismos típicos, mas por vias atípicas: engano o corpo procurando solucionar a dificuldade. Imaginem agora uma marioneta presa com cabos a paus de madeira e com uma mão a segurá-la. Não entrando em muito detalhe, o movimento intencional nasce na massa cinzenta do córtex motor, é a mão na madeira. A informação segue para os núcleos da base e para o cerebelo, estruturas estas que sabem como se encontra o corpo tal como os fios da marioneta. Mas como o nosso fio é muito complexo, ainda temos a informação do tronco cerebral e da nossa espinhal medula que fazem uma pequena integração da informação total e por fim dizem ao músculo para contrair, dando origem ao movimento. Se para si ainda não foi suficientemente confuso, faça para si mesmo:   
1) Onde estão os seus pés sem ter que olhar para eles?    
2) Imagine a sua mão a abrir! Só de imaginar já treinou um pouco do movimento. (http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2014/08/cerebro-ativa-os-musculos-e-ossos-so-de-pensarmos-em-executar-movimento.html)

Hoje falo sobre 3 casos de meninos que acompanhei com paralisia cerebral, e com os quais os meus objetivos de trabalho para cada um deles. Fazendo uma ligeira caracterização dos seus sintomas, a sua manifestação surge pelo comprometimento do tónus ​​muscular, alteração nos movimentos motores globais e finos, equilíbrio dinâmico e estático, reflexos e postura.

O primeiro menino tinha 3 anos e apresentava um desenvolvimento de uma criança de 1 ano. A ausência da força muscular e também a disfunção motora oral, levava a que a deglutição de alimentos fosse para ele mais uma luta. Quando assim o é, é necessário ajudar a que não faltem nutrientes ao corpo, pensando em suplementação por líquidos.
Ajudar a família nestes primeiros anos de vida, tentando criar um ambiente rico em estímulo é fundamental. Mas que estímulo? O meu trabalho passava por apoio ao domicílio e na piscina, em casa trabalhava com o menino e ao mesmo tempo ensinava os exercícios à família. No meio aquático os movimentos de postura surgiam com mais sucesso e a própria criança descontraía mais e tinha mais liberdade de movimento, pois o corpo flutua e as referências sensoriais do corpo estão aumentadas pela envolvência  da água.

O segundo menino tinha 8 anos e queria andar como os outros meninos normais. Tinha dificuldades motoras globais e finas, mas o sofrimento maior era saber que ao longe todos o conseguiam identificar como “diferente”. O meu trabalho passou por ensinar a aumentar a capacidade de observar o seu próprio corpo em movimento e em ter maior atenção a essa informação. Ou seja, aumentar a capacidade de leitura do corpo pelo campo visual e pelo campo sensorial. De seguida, quebrei o padrão de andar pelos diferentes segmentos corporais, treinámos em isolado e em conjunto: dividi o treino de tónus em contrações e descontrações musculares, mas sempre em situações de andar – situações onde realmente podia acontecer a necessidade do movimento. A fim ao cabo o objectivo era andar, por tanto toca a exercitar de forma contextualizada. 


O terceiro menino tinha 16 anos e a paralisia cerebral, não acontecia apenas ao nível do movimento global, mas também nos movimentos da fala. A sua expressão facial era caracterizada por um pobre tónus  facial, e tinha também controlo do órgão fonológico: para ele era fácil produzir sons mesmo sabendo e identificando correctamente os mesmos. O trabalho era focado no andar, saltar, correr, mas também fiquei atento à componente da fala. Não não sou terapeuta da fala, mas a família não tinha como pagar mais técnicos e eu estava ali para ajudar. Falei com alguns terapeutas da fala e concluí os seguintes exercícios: primeiro procurei treinar produzindo os sons que ele tinha sucesso; depois, com esses mesmos sons, gerar pequenas alterações de timbre, volume e amplitude. Dividia as palavras em sílabas e quando me apercebi de alguns sons, a esses juntava uma palavra e treinávamos para que a comunicação com a família, professores e amigos fosse feita através de sons mais simples.
Estes foram alguns dos casos onde a particularidade do diagnóstico é comum a todos, no entanto a sua manifestação de sintomas é dispare. É preciso adaptar contextos, mas nunca fazer com que estes deixem de ser exigentes. É preciso incutir o esforço, a repetição, e gerar a motivação para superar. Fugir à dificuldade, é treinar para aumentar a barreira.


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